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segunda-feira, 24 de junho de 2024

O Livrinho

 

         Era uma vez um livrinho muito bonito, colorido, com muitos desenhos que contava uma história simples.     

         O escritor escrevera-o com tanto amor e carinho, como uma mãe dedica ao filho toda a atenção que merece; cuida dele para que cresça forte e saudável.

           O livro também foi crescendo e tomando forma à medida que o escritor o vai escrevendo. O livro para ele é como um filho que ele põe no mundo.          

             É depois composto e impresso pela editora, que o põe nas à venda nas livrarias para nós o podermos lermos.

              O nosso livro morou muito tempo nas estantes duma livraria sem que ninguém olhasse para ele; não havia ninguém que se interessa por ele e o quisesse ler.

               Era cheio de ilustrações, bonito e contava a história de muitos animais e do seu habitat. Falava do elefante, do leão, da zebra e de muitos outros animais que viviam na selva.

               O pobre livrinho não tinha companhia com quem partilhar a sua história; estava ali, triste e ninguém; como às vezes não ligamos aos livros e às coisas que temos, assim se sentia o livrinho.

             Um dia um menino entrou na livraria e vi-o; comprou-o e foi contente para casa ler o seu livro e nunca mais o largou. O livrinho lá continua a viver feliz na estante do menino.

domingo, 16 de junho de 2024

A Partida do Sol

 

            O sol brincou toda a manhã, escondeu-se como uma criança e amuou. O vento, para ajudar, soprou.

Soprou com força, mas nada conseguiu. Queria afastar as nuvens para descobrir o sol, mas não conseguiu.

O sol, esse, teimou em ficar escondido; E as nuvens decidiram, então, deixar cair a água que tinham e choveu. Choveu tanto que inundou tudo à volta.

As pessoas, arreliadas, zangaram-se com a chuva e com o sol por estarem a brincar com elas. A chuva não ligou e continuou a cair.

Então o sol, farto daquilo, decidiu aparecer, parar com a brincadeira e pôr cobro a tudo. As flores, de contentes, até se puseram mais bonitas e as árvores mais verdes. E toda a natureza se restabeleceu como uma manhã de primavera. Assim, as pessoas ficaram felizes e agradeceram.

Na Capoeira


       Logo pela madrugada o galo cantou, mostrando com essa proeza a sua bela voz. Fechou os olhos e como gostou de se ouvir, repetiu a façanha três vezes. Orgulhoso de si mesmo, desceu o real poleiro, inchando o papo e com uns abanões de asas, descarregou a sua excitação.

       A poedeira, de pena malhada, espantada com a gritaria que as outras fizeram, protestou a falta de sossego, pondo em alvoroço o galinheiro. Uma outra que pelos cantos cacarejava a vontade de pôr um ovo, acabou também protestando a sua desconcentração. As restantes, de nervos em franja, cacarejavam a falta de milho nos comedouros e deitaram as culpas ao galo, senhor daqueles domínios. Os galarotes mais pequenos tentavam aproveitar-se da situação galando alguma franga desprotegida que surgisse.

       Sentindo-se atingido na sua dignidade pela falta de respeito, sacudiu à bicada os galarotes mais atrevidos; e, impondo o respeito, sentou-se no seu real poleiro sofrendo a ferida que sentiu na dignidade.

 

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Aquele fio dental

 

Aquele fio dental ficava-lhe mesmo a matar e ela descobriu isso bem cedo. Dava imenso jeito usa-lo, quando fazia os seus jogos de sedução em frente do marido. Olhava-o nos olhos e via a sua excitação aumentar e por isso mesmo o usava. Nunca ele lhe conseguira mentir com o olhar. Bastava fita-los que diziam tudo e ela sabia-os ler bastante bem; poder-se-ia dizer que era perita nisso. Os seus eram fogosos e transmitiam sedução a cada momento que ela o olhava e isso deixava-o sem jeito e indefeso. 

Quando Eva se despia à sua frente e lhe exibia todo o seu corpo voluptuoso e o balançava como uma verdadeira Stripper, o homem parecia suar e descontrolava-se com relativa facilidade; deixava-a livre para o poder usar a seu belo prazer.

Parecia que fazia de propósito. Quando Eva vestia a sua túnica imensamente comprida, de um azul celeste suave e lhe aparecia com o seu body preto colado ao corpo, que ele lhe confessara certo dia que adorava, todo ele já lhe pertencia. Por isso e para o deixar de queixo caído e quando queria algo mais do que uma simples carícia, ela tomava um duche, colocava o seu perfume favorito e vestia o fio dental que, tapado com a camisa de seda, lhe garantia uma noite louca.

Os seus atributos físicos davam-lhe prova favorável do seu belo corpo e o seu traseiro roliço, com um fio dental, fazia-o ferver em pouca água e ela sabia aproveitar-se disso como uma mestra. Era então que usava como acessório umas meias pretas e para não destoar do conjunto, deixava o peito solto e só no fim se entregava.

Normalmente conseguia sempre aquilo que queria. A noite era sempre divinal e levava-a quase sempre ao êxtase. Muito embora ele ficasse arrasado e com vontade de dormir, ela ainda lhe espremia todo o sémen que restava, delicadamente, com um trabalho de mãos fenomenal e ainda o conseguia fazer acordar.

Em certas ocasiões e normalmente à sexta-feira, ou durante o fim-de-semana, pedia-lhe que tomasse banho, para depois o sugar gulosamente e pedir-lhe que a penetrasse no traseiro. Aí ela gozava como uma louca, sabendo à partida que duraria mais tempo a atingir o clímax e era por essa razão que o fazia.

Ele sentia-se um homem feliz, realizado, não se queixava do emprego, mas ao mesmo tempo sabia que mais dia, menos dia iria ficar esgotado e a precisar de descanso. Arranjava desculpas, um cansaço, uma dor de cabeça, qualquer coisa para que Eva não lhe pedisse sexo. Embora a amasse, sentia que estava cada vez mais insaciável e a tornar-se de dia para dia uma verdadeira ninfomaníaca.

Uma certa vez tomaram banho juntos, cada um a ensaboar o outro, num jogo de carícias que acabou num longo e quente beijo. Tendo-a nos braços, beijou-a de novo e percorrendo o seu corpo com beijos e carícias, foi deslizando a língua pelo monte-de-vénus e não mais a largou enquanto não obteve dela o êxtase supremo do delírio. Penetrou-a e dessa penetração resultou um ato sublime que ela jamais esqueceria em toda a sua vida.

Desde esse dia que ela passou a andar muito mais calma e a usar apenas uma camisinha curta sempre que lhe apetecia algo mais. Então insinuava-se a ele e abria provocantemente as pernas, chamava-o com o dedo e lançava lhe um beijo com os lábios. Depois puxava-o pela gravata e despia-o do seu aspecto aristocrático e automaticamente ele era um cordeirinho nas suas mãos.

Um certo dia ele imperou e dominou. Apanhou-a desprevenida mal ela chegou a casa, despiu-a da pele de senhora fina e aristocrática, acariciou-a tal como fizera naquele dia no banho e penetrou-a. Os seus dedos percorreram delicadamente os seios e todo o seu corpo atingiu um elevado grau de excitação, que ela foi obrigada à entregar-se à sua vontade. Bem que lhe podia pôr as mãos no volume das calças, mas não era preciso, seria inoportuno e desnecessário. Já utilizara essa táctica e resultara, mas desta vez estava inteiramente nas suas mãos.

Deitada na cama, com aquele seu traseiro roliço e apetitoso virado para cima, que ele adorava mexer e sentar no seu colo, Eva descontraiu-se e saboreou a penetração.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Um almoço tardio


Ela estava à sua espera. Deambulava de um lado para o outro, com os nervos à flor da pele, o copo de Martini na mão direita, quase com vontade de o atirar ao chão. Não podia esperar mais. Eram quase horas do almoço, tinha tudo pronto para o receber, mas ele estava demasiado atrasado e nem dissera nada.

Fora à janela mais do que uma vez espreitar se algum carro tinha chegado, algum movimento que lhe dissesse algo sobre ele, mas nada. Estava cada vez mais impaciente, quase a explodir de raiva por sentir que tudo começava a correr mal e que os seus planos estavam a sair furados.

Tinha vestido uma saia de seda vermelha, com flores e botões até abaixo, para se poder desabotoar tudo mais facilmente; estava a ver que se não seria precisa usar esse estratagema.

Sentia-se a ferver por dentro, desejosa de o ver a seu lado, de o abraçar e beijar. Era das raras oportunidades que lhe surgiam de ter alguém perto dela para a seduzir, para lhe dar o conforto e o prazer que tanto desejava, mesmo por uma noite que fosse.

Poder-se-ia sentir mal, uma rameira da pior espécie, ou uma refinada prostituta, que isso pouco lhe importaria neste momento. Queria ama-lo, senti-lo dentro de si para saciar a sua fome de amor, a sua tão desejada hora de um romance ardente e não podia falhar nada. Revia todos os pormenores e tudo lhe parecia estar operacional.

Conhecera-o pela Internet, falavam-se frequentes vezes e até chegaram a ver-se pessoalmente. Pouco se conheciam intimamente. Eram apenas bons amigos, mas as conversas foram-se alongando de dia para dia e o interesse um pelo outro começava a evidenciar-se e chegaram mesmo a falar de relações duradouras, de uma simples aventura sem compromisso, de necessidades íntimas, de sexo.

Por esse facto imaginava-o na sua frente a abraçar-se a ela com fervor e a beijar-lhe esses seus lábios sensuais num voluptuoso e longo beijo que a faria derreter de desejo. E sem dar conta já se via a desabotoar os botões da saia, encostada às costas do sofá e a abrir ligeiramente as pernas, como se ele ali estivesse. Quando deu conta de si tinha a saia completamente aberta, as pernas afastadas e dois dedos da sua mão direita percorriam ligeiramente a sua cuequinha preta.

Bateram à porta. Os seus olhos abriram-se de par em par e o coração bateu-lhe ligeiramente mais forte. Afinal nem tudo estaria perdido; houve apenas um contratempo de última hora e tudo estava normalizado. A tarde seria óptima, podiam jantar fora e teriam uma noite fabulosa. Talvez ainda quisesse almoçar e provar aquele vinho que comprara na loja da especialidade e que julgara óptimo para a ocasião, muito embora não fosse muito conhecedora de vinhos.

Foi abrir. Diante de si o homem que a fizera esperar e desesperar surgia-lhe com um bouquet de rosas vermelhas, que lho apontou de imediato à cara, como um pedido de desculpas e esperou. Por instantes não proferiu uma palavra, mas ao fim de esperar dela um sinal, ou uma resposta que fosse, acabou por lhe confessar a sua demora.

- Tive um acidente pelo caminho. A estrada ficou completamente bloqueada, não tive qualquer hipótese. Desculpa. – Justificava-se ele com sorriso e um olhar meigos na face.

Ficou a olhá-lo algum tempo antes de o mandar entrar. Depois, como que se tivesse esquecido, soltou um ah de espanto, pegou nas rosas e fê-lo entrar.

- Ainda queres comer? – Perguntou ela.

- Claro! Ainda não almocei. – Respondeu numa voz suave.

- Preparei um petisco delicioso…espero que gostes! – Disse ela sorridente.

O seu olhar parecia brilhar ao vê-lo sorrir. Mandou-o entrar. Depois, ainda debaixo do mesmo entusiasmo, ofereceu-lhe um Martini e acompanhou-o na bebida, acrescentando uma casca de limão nos dois copos. Retirou-se para a cozinha, enquanto ele aguardava na sala, sozinho, a olhar para as paredes e os móveis e a cruzar as pernas.

- Põe música se quiseres! Estão aí na estante. – Disse ela em voz alta. - Escolhe o que te apetecer.

A mesa da sala estava posta. Um arranjo de rosas vermelhas e uma fina vela branca no centro davam um pequeno toque romântico. Os pratos brancos, quadrados, a marcar uma certa modernidade, sobressaiam da toalha de linho. Os copos, que embora não fossem de cristal, eram de marca, mas delineavam uma decoração simples e a condizer com o ambiente.

De repente apareceu na sala empurrando um carrinho de serviço de mesa, a travessa a fumegar, a terrina da salada ao lado e uma garrafa de vinho em baixo. Acendeu a vela do castiçal com as rosas vermelhas e serviu o rapaz. Delicadamente o jovem abriu a garrafa do vinho, serviu-lho e serviu-se.

A refeição decorreu calma, entre olhares cúmplices e afagares de mãos e quase sem uma única troca de palavras. Pouco havia a dizer. Da parte dela havia muito mais a fazer e muita ansiedade no seu coração. Sentia-se isso e nos olhos, como se quisesse devorar o homem e esperava dele uma palavra que fosse que definisse a situação.

No fim fizeram um brinde com um entrelaçar de braços e copos, entre olhares cúmplices e maliciosos, sem que as palavras fossem necessárias para qualquer coisa.

- Gostaste? – Perguntou ela.

- Sim, estava delicioso. – Respondeu o homem.

- Tchim, tchim! – Pedia ela novo brinde.

Os copos tilintaram uma vez mais. Quase sem dar tempo de proferir qualquer palavra, o olhar dela cruzou-o e esperou dele o beijo há muito desejado. Sem demora, com o calor do corpo a começar a aquecer e sem quase se controlar abraçou-o. Encostou as suas pernas às dele, de corpos colados, o ambiente esquecido em redor, ofereceu-se a ele e entregou-se.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Botão de Rosa

 

       Um botão de rosa caído no chão. Um whisky por beber sobre a mesinha da sala. Uma taça de vidro com velas brancas acesas boiando e no fundo pedrinhas do mar. O silêncio da sala. Um outro botão de rosa num solitário sobre a mesa.

     A mão de um homem carrega no comando e liga a aparelhagem quebrando o silêncio momentâneo. A música começa suave, romântica, a condizer com a tranquilidade da sala.

     Um braço estendido de mulher fatal sai do sofá, apanha a rosa do chão, cheira-a e deixa-a esquecida no braço estendido até cair de novo. Um olhar fatalista atinge o homem.

      A sensualidade e o romance, envolvem os dois com uma previsão crescente. A música, o ambiente e a rosa são um todo, completam-se na mesma harmonia dos corpos; Há amor e paixão entre eles. A mulher cheira a rosa e deixa-a.

      O homem percorre-lhe o corpo, os seios, o ventre, com a rosa caída e roça com a flor o outro botão de flor, a fonte dos desejos e dos amores. A perdição do Homem, fruto do bem e do mal, da criação e do infortúnio, conjugação entre dor e prazer.

     Nua, mostrando toda a sua beleza física, a mulher estende os braços, feliz de ter consigo o seu amado junto de si para a consumação do amor.

     O calor da tarde aquece ainda mais os corpos quentes, percorre-os. Os corpos nus, estendidos agora no chão, amam-se numa gradual intensidade. A alcatifa tem cor de sangue e de carne, cheira a desejo e a sexo. No meio de beijos e abraços, há ligeiros gemidos de amor e luxúria e a média luz da sala protege-os.

     A música baixinha embala os corpos ardentes. As mãos dele colam-se às dela. Beijos e abraços na continuação, tarde fora, de um longo amor. O prazer envolve-os debaixo do mesmo ardor, do mesmo desejo. Uma alegria transbordante nos olhos.

       A nudez da mulher, submissa e amada, à mercê do homem desejado. Todo o corpo num êxtase; Os seios, o ventre, a vulva, o botão de rosa vermelha caído no chão, cor de sangue, cor de desejo, sobre o peito da mulher.

Sobra ainda o outro botão de rosa no solitário sobre a mesa, ainda intacto. No chão há pétalas de rosa espalhadas a florir este amor consumado. O ambiente ao rubro.

E cheira a êxtase e a sémen por todo o lado. Do peito roliço da mulher descai a mão pujante do homem. Percorre-lhe de novo o peito, suavemente. A mulher enche-o de carícias. A mão no sexo dele. Um novo beijo. Depois um beijo prolongadamente longo no membro do amado.

O amor ao rubro. Os órgãos colados. Os corpos ardendo, queimando, arfando tarde fora. E cheira a sémen e a êxtase por todo o lado.

A música no auge, envolvendo-os, enchendo o ambiente, tudo. Um gole no whisky a dois, uma pausa. De novo um longo beijo, na boca, no peito, no membro. Os corpos roçam-se de novo. A tarde no fim…sem parecer ter fim.             

 



SPA 2009

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Um Domingo Vulgar


     Hoje é domingo, o que só por si torna o dia feliz; pelo menos para mim que gosto dum intervalo entre duas semanas; mesmo se chovesse seria feliz na mesma, apenas por ser domingo e poder ficar mais um bocado na cama, a descansar depois duns dias de trabalho que sempre moem o juízo a uma pessoa.

        De tarde vou sair com a família, levar os miúdos ao jardim para tomarem um pouco de ar fresco e estarem em contacto com a natureza; Talvez o jardim não seja o mais indicado, é vulgar demais, habitual; devia variar, talvez ir para a mata, mas é tão longe, dá tão mau jeito; depois aquilo é tão mal frequentado pelos drogados e mulheres de má vida, que uma pessoa tem medo, receia pelos filhos e a mulher que também necessita de descanso, coitada.

        Se fosse outro podia ir à bola e deixava a família em casa, os filhos ao encargo da mulher e tudo que se lixasse, mas não.

       A gente tem que pensar nos seus, dar-lhes a conhecer o mundo à sua volta, relacionar-se com eles; afinal são a base de um sustento moral que nos mantêm de pé e nos dá força; embora, por vezes seja difícil manter a família unida; está tudo tão difícil que uma pessoa já nem sabe o que fazer e se não variamos torna-se a vida monótona, chata e cada um de nós tombando para o seu lado.    

       No meio os miúdos berram e chateiam, pedinchando sempre qualquer coisa, mesmo que não tenham fome, ou vontade de brincar com aquele brinquedo de que se lembraram; mas chateiam, chateiam e, no fundo são a nossa razão de ser. 

       A televisão dá um filme de guerra. A mulher na cozinha; eu ruminando um cigarro ao canto da boca, o jornal esquecido sobre a mesa em frente ao sofá; abstracto, perdendo-me em pensamentos vagos e desconexos, mais virado para o chato do que para a boa disposição.     

       Se, por mero acaso, o dia for de bola na TV e me apetecer assistir ao jogo, vira-se o mundo contra mim, a televisão em altos berros para esquecer os outros e um jogo, que acaba mal para mim, já não o vejo descansado.

       Fico nervoso, irritado, fumo quilos de cigarros e consumo litros de cerveja com amendoins e tremoços e a sala vira salão de clube. A janela fechada. O fumo é uma nuvem imensa pairando no ar, intoxicando todos, sem a mim me ralar minimamente.

       As únicas ocasiões em que alguma coisa pode prender a família em casa é um bom filme que agrade a todos e nos faça sentar no sofá, descansados, olhando o écran. A sala sem fumo nem tremoços e em vez de cerveja, duas bicas sobre a mesinha.

       Acabo por sair ao fim da tarde para beber alguma coisa mais, apenas por beber, espairecer um pouco; às vezes ela também vem quando tem tudo arrumado, ou lhe apetece sair. 

      Pobre mulher; de todos a mais sacrificada; tem a casa, a roupa, os filhos, eu, uma verdadeira dona de casa. Uma mulher com uma verdadeira beleza interior.

      Uma ocasião falou-se em fanfarras no coreto do jardim; não pude perder o espectáculo, só para ouvir música. Peguei na criançada, consciente de uma boa acção educativa e levei-os para assistirem a uma música que, felizmente, ainda consegue subsistir, dada a raridade de música de qualidade e as tendências serem diferentes.

       Fui alcunhado e agredido com nomes, atiraram-se a mim com amuos e caretas e tive que me resignar à minha infeliz ideia. Um antiquado que ainda gosta de música de província. Eles sabem lá o que é música!

       Concordo não ser esta a música a que estão mais habituados, ou a da sua preferência, mas queria incutir-lhes algum conhecimento mais, sobre os vários estilos de música, muito embora o cariz popular desta; infeliz ideia!     

       O que vale é que estes acontecimentos são esporádicos, senão as agressões psicológicas seriam bem maiores!

       A mulher nada dissera, assistira apenas. Era-lhe indiferente, ouvia perfeitamente qualquer tipo de música; não sei se por falta de ouvido, se para nos agradar a todos, mas creio ser esta a hipótese mais provável.

       O domingo era de sol, com as crianças entregues a si próprias, soltas do sacrifício de assistirem ao espetáculo, embora sob o nosso olhar, os ouvidos na música, umas pipocas à mistura a quebrar a concentração.

       Estava tudo exausto mas feliz, foi um dia diferente. Os garotos suavam.

        O regresso foi calmo, sem incidentes, com os dois calados, lado a lado no banco de trás olhando a rua. De caminho pago um gelado a cada um e nós bebemos uma bica, ela come um bolo. À noite o noticiário traz mais noticias e tudo volta ao normal.




* 2º Prémio de Conto “Ambiente Comcurso” 2002 da CML

O Galdério


          Tinha iludido a fome com uma simples sandes encontrada no caixote do lixo, de manhã cedo. Lavara a cara no charco onde os pombos bebiam a sua água e roubara-lhes o direito de lá se lavarem. Depois lembrou-se de atirar pedras ao lago do jardim, olhar os peixes e divertir-se com isso. E como nada tinha para fazer, inventava histórias com as pessoas que passavam, situações ocasionais, reais apenas na sua fértil imaginação.

A ave que cantava melodias de encantar à namorada do galho em frente, que pousava ali todas as manhãs, irritou-o com o seu canto e atirou-lhe uma pedrada; Arreliado por algo que o seu olhar não revelava, lançou uma outra pedra à árvore em frente, deixando nela a marca da sua revolta, como se de uma assinatura se trata-se.

Todo o jardim era seu, o seu lar, a sua escola, a sua sala de convívio, o sítio mais movimentado onde se poderia orientar com alguma esmola que lhe dessem.

       Depois vagueou horas a fio, pelas ruas limítrofes, pelo jardim, vazio de olhares mundanos àquela hora, como que à procura de novos desafios para a sua fértil fugacidade juvenil; um bom modo de esquecer a sua condição, a solidão que o acompanhava.     

A ave continuou a cantar mas noutro galho, indiferente à sua revolta, perdoando-lhe a atitude infantil, como se tudo aquilo fosse menor e continuava a contemplar a natureza em redor, as pessoas, o movimento, o garoto, o jardim.

       Ambos nutriam juventudes diferentes. Um florescia ordenado e limpo, embelezado pela mão humana que o cuidava e incutia uma beleza rara. O outro, embora a idade fosse igual, crescia numa infância selvagem, roto, sujo e sem ninguém, seguindo o destino a seu belo prazer.

       O primeiro tinha histórias por contar, muito embora variadas e soltas: histórias de amor e ódio, encontros fortuitos de velhos amigos, simples conversas de ocasião, ou os que ali passavam e deixavam no tempo episódios vividos; pequenas confissões, ou grandes dramas que só as árvores escutavam.

       Ele, um simples garoto de rua sem eira nem beira, igual a tantos outros, trazia consigo um caso de abandono, uma vida curta mas amarga, que apenas a rua sabia de cor e ainda ninguém ouviu contar.

Menino de rua

 

            O dia estava frio, mesmo frio e por isso decidi vestir-me mais a rigor, uma camisa tipo pescador, uma camisola de lã de gola alta, o meu casaco de Inverno e segui caminho.

            Na rua os vendedores ambulantes do costume, os ciganos, o homem das castanhas, os pedintes habituais. A estes olho-os com alguma lástima, sentindo-me um sortudo pela minha condição, que para mim poderá ser mísera, mas que, concordo plenamente, existem pessoas bem piores do que eu, cuja existência se resume a um vegetar diário que só deus sabe porquê.

            Nestas ocasiões sigo o meu caminho sem olhar para os lados, só para não dar de caras com nenhum deles a pedir-me o que não posso e por vezes não quero dar. Oiço histórias de muitos que vivem bem, têm uma boa casa, por vezes carro e andam nesta vida porque querem e a esses não tenho sequer dó.

            Num destes dias em que saí de casa, por sinal muito mais cedo do que o habitual, deparei com uma criança que repetia, quase que ininterruptamente:

            - Dêem-me alguma coisinha, tenho fome!

            A princípio não liguei, confesso, mas depois de ter parado por alguns momentos a posicionar-me na questão e do miúdo me puxar literalmente pela calça, acabei por lhe dar uma moeda.

            - Pague-me uma sopa, senhor! – Pediu o garoto.

            Tocou-me cá dentro algo que nunca antes sentira, algo que me sensibilizou e me fez levar o garoto ao café mais perto e pedir uma sopa e um pão. Observei-o atentamente a devorar a sopa e a comer com satisfação o pão. Dei por bem empregue o dinheiro que paguei. Acabei por beber um café, é claro, mas apenas para não estar só a olhá-lo.

            Um outro que pedinchava o mesmo a quem entrava no estabelecimento dirigiu-se a uma senhora que bebia uma bica ao balcão:

            - Pague-me um bolo.

            A senhora, vendo o meu gesto quis imitar-me. O garoto mal ouviu a palavra sopa respondeu num ápice:

            - Coma-a você! – E saiu disparado porta fora, rogando pragas à bondosa senhora.



Prémio de Participação 1º Jogos Florais 2002

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A Mão

 

       Anoitecera. A fraca luminosidade foi dando lugar ao mundo das sombras e as cores vivas da natureza perdiam agora todo o seu esplendor.

       Corria um vento fraco, soprando forte de vez em quando. As árvores dançavam a sua dança noturna, como num ritual mágico; Em redor nem vivalma se ouvia. 

      No caminho mal iluminado pela lua, sinuoso e com pedras grandes a atrapalharem o andar, uma mulher caminhava quase que por instinto um percurso que mal via.   

       Perto dela ouvia-se um corujar incerto, quebrando o silêncio rígido da noite. Cheia de medo, a mulher seguia o caminho, tateando os passos, procurando tomar coragem para continuar. 

       A coruja voltava a dar o seu sinal pesado e sombrio, sem se mostrar, nem localizar a sua presença. Um bater de asas ouviu-se, ameaçando a noite.

       A mulher tremeu, suplicou, benzeu-se.

À sua frente tudo era como breu e ela nada mais distinguia para além disso. Querendo desistir parava indecisa no caminho; arrependia-se, mas continuava.

       O corujar e o bater de asas de novo aos seus ouvidos amedrontando, avisando-a de algo que ela não percebia. 

A meia-lua iluminava mal meio caminho e tudo em redor lhe parecia bidimensional e indefinido. As sombras surgiam-lhe vivas e ameaçadoras.

       A mulher continuou o seu percurso corajoso e decidido. Na curva do carreiro uma mão, persuasiva e destemida, surgiu-lhe a chamar por ela. Toda ela tremeu, suplicou, invocou os santos e benzeu-se de novo!  

       A mão voltava a chamar uma e outra vez! O corujar de novo, como se fosse uma voz vinda daquela mão! Por todo o lado um silêncio fúnebre e pesado fazia-se sentir.  

       Sem pinga de sangue, sem forças e vencida pelo medo, a mulher petrificou no caminho, suplicando a proteção de Deus. A mão voltava a chamá-la uma e outra vez, imperativa e cativante.                           

       - Ai Jesus, Nossa Senhora, Credo!...Deus me valha! - Implorava a mulher com medo.

       E benzia-se de novo e a mão de novo a chamava!

       Tomando coragem avançou. Perdida por cem, perdida por mil! Ao mesmo tempo o vento uivava e a mão chamava sempre, mais eficaz, mais enérgica e sinistra, sem sair do lugar, como se quisesse que a seguisse. 

      Então a mulher decidiu aproximar-se devagar e enfrentar esse alguém que a chamava; perguntar-lhe o que queria, dizer-lhe que era uma humilde criatura de Deus, que nada tinha de seu e nem pretendia nada de ninguém; e se viesse por Deus que a ajudaria no que pudesse e soubesse e que rezaria por ela nos seus terços a Nossa Senhora.

       Aproximou-se. Foi então que viu que a mão que a chamava, era um simples ramo de árvore que abanava ao vento.

 SPA 2002 autor: Orlando Martins

Trabalho Infantil

 

Na berma do passeio uma criança chorava. As suas lágrimas copiosas lavavam-lhe a cara suja. Umas mãos negras, já calejadas e envelhecidas, com umas unhas também negras, esfregavam uns olhos encharcados de dor. Ao lado um balde cheio de cimento esperava ser transportado. Uma voz ríspida e sonora soou como um trovão:

- Então, isso vai ou não!

E a criança, cujas forças se perdiam no cansaço e nos ombros que mostravam os ossos em sangue, arrastou o balde num esforço desumano e em soluços continuou a chorar.

       A obra não podia parar. O patrão tinha dinheiros a receber e isso era mais importante.

       O dia, que também era cinzento, chorou de tristeza pela criança.







SPA 2001 autor: Orlando Martins