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quinta-feira, 9 de maio de 2024

Menino de rua

 

            O dia estava frio, mesmo frio e por isso decidi vestir-me mais a rigor, uma camisa tipo pescador, uma camisola de lã de gola alta, o meu casaco de Inverno e segui caminho.

            Na rua os vendedores ambulantes do costume, os ciganos, o homem das castanhas, os pedintes habituais. A estes olho-os com alguma lástima, sentindo-me um sortudo pela minha condição, que para mim poderá ser mísera, mas que, concordo plenamente, existem pessoas bem piores do que eu, cuja existência se resume a um vegetar diário que só deus sabe porquê.

            Nestas ocasiões sigo o meu caminho sem olhar para os lados, só para não dar de caras com nenhum deles a pedir-me o que não posso e por vezes não quero dar. Oiço histórias de muitos que vivem bem, têm uma boa casa, por vezes carro e andam nesta vida porque querem e a esses não tenho sequer dó.

            Num destes dias em que saí de casa, por sinal muito mais cedo do que o habitual, deparei com uma criança que repetia, quase que ininterruptamente:

            - Dêem-me alguma coisinha, tenho fome!

            A princípio não liguei, confesso, mas depois de ter parado por alguns momentos a posicionar-me na questão e do miúdo me puxar literalmente pela calça, acabei por lhe dar uma moeda.

            - Pague-me uma sopa, senhor! – Pediu o garoto.

            Tocou-me cá dentro algo que nunca antes sentira, algo que me sensibilizou e me fez levar o garoto ao café mais perto e pedir uma sopa e um pão. Observei-o atentamente a devorar a sopa e a comer com satisfação o pão. Dei por bem empregue o dinheiro que paguei. Acabei por beber um café, é claro, mas apenas para não estar só a olhá-lo.

            Um outro que pedinchava o mesmo a quem entrava no estabelecimento dirigiu-se a uma senhora que bebia uma bica ao balcão:

            - Pague-me um bolo.

            A senhora, vendo o meu gesto quis imitar-me. O garoto mal ouviu a palavra sopa respondeu num ápice:

            - Coma-a você! – E saiu disparado porta fora, rogando pragas à bondosa senhora.



Prémio de Participação 1º Jogos Florais 2002

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