Hoje é domingo,
o que só por si torna o dia feliz; pelo menos para mim que gosto dum intervalo
entre duas semanas; mesmo se chovesse seria feliz na mesma, apenas por ser
domingo e poder ficar mais um bocado na cama, a descansar depois duns dias de
trabalho que sempre moem o juízo a uma pessoa.
De tarde vou sair com a família,
levar os miúdos ao jardim para tomarem um pouco de ar fresco e estarem em
contacto com a natureza; Talvez o jardim não seja o mais indicado, é vulgar
demais, habitual; devia variar, talvez ir para a mata, mas é tão longe, dá tão
mau jeito; depois aquilo é tão mal frequentado pelos drogados e mulheres de má
vida, que uma pessoa tem medo, receia pelos filhos e a mulher que também
necessita de descanso, coitada.
Se fosse outro podia ir à
bola e deixava a família em casa, os filhos ao encargo da mulher e tudo que se
lixasse, mas não.
A gente tem que pensar nos
seus, dar-lhes a conhecer o mundo à sua volta, relacionar-se com eles; afinal
são a base de um sustento moral que nos mantêm de pé e nos dá força; embora,
por vezes seja difícil manter a família unida; está tudo tão difícil que uma
pessoa já nem sabe o que fazer e se não variamos torna-se a vida monótona,
chata e cada um de nós tombando para o seu lado.
No meio os miúdos berram e
chateiam, pedinchando sempre qualquer coisa, mesmo que não tenham fome, ou
vontade de brincar com aquele brinquedo de que se lembraram; mas chateiam,
chateiam e, no fundo são a nossa razão de ser.
A televisão dá um filme de
guerra. A mulher na cozinha; eu ruminando um cigarro ao canto da boca, o jornal
esquecido sobre a mesa em frente ao sofá; abstracto, perdendo-me em pensamentos
vagos e desconexos, mais virado para o chato do que para a boa disposição.
Se, por mero acaso, o dia for
de bola na TV e me apetecer assistir ao jogo, vira-se o mundo contra mim, a
televisão em altos berros para esquecer os outros e um jogo, que acaba mal para
mim, já não o vejo descansado.
Fico nervoso, irritado, fumo
quilos de cigarros e consumo litros de cerveja com amendoins e tremoços e a
sala vira salão de clube. A janela fechada. O fumo é uma nuvem imensa pairando
no ar, intoxicando todos, sem a mim me ralar minimamente.
As únicas ocasiões em que
alguma coisa pode prender a família em casa é um bom filme que agrade a todos e
nos faça sentar no sofá, descansados, olhando o écran. A sala sem fumo nem
tremoços e em vez de cerveja, duas bicas sobre a mesinha.
Acabo por sair ao fim da tarde
para beber alguma coisa mais, apenas por beber, espairecer um pouco; às vezes
ela também vem quando tem tudo arrumado, ou lhe apetece sair.
Pobre mulher; de todos a mais
sacrificada; tem a casa, a roupa, os filhos, eu, uma verdadeira dona de casa.
Uma mulher com uma verdadeira beleza interior.
Uma ocasião falou-se em
fanfarras no coreto do jardim; não pude perder o espectáculo, só para ouvir
música. Peguei na criançada, consciente de uma boa acção educativa e levei-os
para assistirem a uma música que, felizmente, ainda consegue subsistir, dada a
raridade de música de qualidade e as tendências serem diferentes.
Fui alcunhado e agredido com
nomes, atiraram-se a mim com amuos e caretas e tive que me resignar à minha
infeliz ideia. Um antiquado que ainda gosta de música de província. Eles sabem
lá o que é música!
Concordo não ser esta a música
a que estão mais habituados, ou a da sua preferência, mas queria incutir-lhes
algum conhecimento mais, sobre os vários estilos de música, muito embora o
cariz popular desta; infeliz ideia!
O que vale é que estes
acontecimentos são esporádicos, senão as agressões psicológicas seriam bem
maiores!
A mulher nada dissera,
assistira apenas. Era-lhe indiferente, ouvia perfeitamente qualquer tipo de
música; não sei se por falta de ouvido, se para nos agradar a todos, mas creio
ser esta a hipótese mais provável.
O domingo era de sol, com as
crianças entregues a si próprias, soltas do sacrifício de assistirem ao
espetáculo, embora sob o nosso olhar, os ouvidos na música, umas pipocas à
mistura a quebrar a concentração.
Estava tudo exausto mas feliz,
foi um dia diferente. Os garotos suavam.
O regresso foi calmo, sem
incidentes, com os dois calados, lado a lado no banco de trás olhando a rua. De
caminho pago um gelado a cada um e nós bebemos uma bica, ela come um bolo. À
noite o noticiário traz mais noticias e tudo volta ao normal.
* 2º Prémio de Conto “Ambiente Comcurso” 2002 da CML
2º Prémio de Conto 2002 da CML
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