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quarta-feira, 8 de maio de 2024

A Mão

 

       Anoitecera. A fraca luminosidade foi dando lugar ao mundo das sombras e as cores vivas da natureza perdiam agora todo o seu esplendor.

       Corria um vento fraco, soprando forte de vez em quando. As árvores dançavam a sua dança noturna, como num ritual mágico; Em redor nem vivalma se ouvia. 

      No caminho mal iluminado pela lua, sinuoso e com pedras grandes a atrapalharem o andar, uma mulher caminhava quase que por instinto um percurso que mal via.   

       Perto dela ouvia-se um corujar incerto, quebrando o silêncio rígido da noite. Cheia de medo, a mulher seguia o caminho, tateando os passos, procurando tomar coragem para continuar. 

       A coruja voltava a dar o seu sinal pesado e sombrio, sem se mostrar, nem localizar a sua presença. Um bater de asas ouviu-se, ameaçando a noite.

       A mulher tremeu, suplicou, benzeu-se.

À sua frente tudo era como breu e ela nada mais distinguia para além disso. Querendo desistir parava indecisa no caminho; arrependia-se, mas continuava.

       O corujar e o bater de asas de novo aos seus ouvidos amedrontando, avisando-a de algo que ela não percebia. 

A meia-lua iluminava mal meio caminho e tudo em redor lhe parecia bidimensional e indefinido. As sombras surgiam-lhe vivas e ameaçadoras.

       A mulher continuou o seu percurso corajoso e decidido. Na curva do carreiro uma mão, persuasiva e destemida, surgiu-lhe a chamar por ela. Toda ela tremeu, suplicou, invocou os santos e benzeu-se de novo!  

       A mão voltava a chamar uma e outra vez! O corujar de novo, como se fosse uma voz vinda daquela mão! Por todo o lado um silêncio fúnebre e pesado fazia-se sentir.  

       Sem pinga de sangue, sem forças e vencida pelo medo, a mulher petrificou no caminho, suplicando a proteção de Deus. A mão voltava a chamá-la uma e outra vez, imperativa e cativante.                           

       - Ai Jesus, Nossa Senhora, Credo!...Deus me valha! - Implorava a mulher com medo.

       E benzia-se de novo e a mão de novo a chamava!

       Tomando coragem avançou. Perdida por cem, perdida por mil! Ao mesmo tempo o vento uivava e a mão chamava sempre, mais eficaz, mais enérgica e sinistra, sem sair do lugar, como se quisesse que a seguisse. 

      Então a mulher decidiu aproximar-se devagar e enfrentar esse alguém que a chamava; perguntar-lhe o que queria, dizer-lhe que era uma humilde criatura de Deus, que nada tinha de seu e nem pretendia nada de ninguém; e se viesse por Deus que a ajudaria no que pudesse e soubesse e que rezaria por ela nos seus terços a Nossa Senhora.

       Aproximou-se. Foi então que viu que a mão que a chamava, era um simples ramo de árvore que abanava ao vento.

 SPA 2002 autor: Orlando Martins

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