domingo, 4 de agosto de 2024

Garoto Vadio

 

Tinha iludido a fome com uma simples sandes que lhe pagaram e um copo de leite que por esmola lhe deram na leitaria; Depois lembrou-se de atirar pedras ao lago do jardim e vê-las saltitar pela superfície para ver o efeito que faziam, ou assim esquecer a sua má sina de miúdo de rua.

A ave que cantava melodias de encantar à namorada do galho ao lado irritou-o e atirou-lhe uma pedrada. Os pombos que debicavam no chão algumas migalhas esvoaçaram de medo. O cão, que vivia nas mesmas condições dele, ladrou lhe uma ameaça de mordidela. Arreliado por algo que o seu silêncio não revelou, lançou uma outra pedrada à árvore em frente, deixando nela a marca da sua revolta.

       Vagueou, horas a fio, pelas ruas, pelo jardim vazio de olhares mundanos, como que à procura de novos desafios, livre de quaisquer criticas ou regras, ordens por cumprir, ou tarefas por fazer. As outras crianças da sua idade brincavam juntas no pátio da escola, que ele se punha a espreitar, como se desejasse ser como elas.

       Criticava lhes os bibes, as regras, a obediência, mas gostava de as ver brincas juntas. Criticava lhes os deveres, as obrigações, mas tinha pena de não saber ler.

       E como sentia um vazio por dentro por não ter a vida ocupada, lançou nova pedrada à ave da arvora do jardinsito ao lado da escola. A ave assustada continuou a cantar noutro galho, indiferente à sua revolta, perdoando a atitude selvagem do garoto e o jardim, de limpo virou lixeira.

       Ambos nutriam juventudes diferentes. Um florescia ordenado e limpo, embelezado pela mão humana que o cuidava; o outro, embora a idade fosse igual, crescia numa infância indomesticável e sem ninguém, roto e sujo, seguindo o seu próprio instinto natural.

       O primeiro tinha histórias para contar: dos outros, dos que por ali passavam e deixavam no tempo episódios vividos, a brincadeira das crianças, histórias de amor e ódio, encontros fortuitos de velhos amigos, simples conversas de ocasião, aas casas em redor, o seu conforto, que só as árvores escutavam.

       Ele, um garoto de rua sem eira nem beira, apenas trazia consigo uma história por contar, uma vida curta mas já amarga, de pobreza e abandono, que apenas a rua sabia de cor, mas ninguém ainda ouviu contar.

     

Fim de Tarde

 

            A tarde caía calmamente com um sabor de Outono. As folhas, matizando o chão com cores suaves, despediam-se de um verão que terminava.

       A tonalidade da tarde deixava no ar uma atmosfera romântica que não há poeta ou pintor que não a queira retratar; Uma ode, um cantar lírico, um quadro como homenagem a este entardecer.

            Fico a sorver este final de tarde como uma melodia de Chopim. Procuro inspiração para um poema. A beleza da natureza deixa em mim uma energia renascida, como uma canção de embalar.

            Entardece; ainda há pessoas no jardim, ainda há pessoas que passam com os segundos contados. Cruzam-se, tropeçam esquecendo o dia que passa, ou o Outono que chega e não reparam na poesia da vida, a sensibilidade das coisas. O frenesim das pessoas, o movimento, tudo me parece interminável.

            Hoje descobri que a vida é um tesouro; algo importante demais para ser deitado fora. Tão importante, que me apetece remediar erros antigos, pecados supérfluos, endireitar veredas, até sentir que tudo está perfeito; mas reparo que o dia cai e a minha idade com ele.

            Então sigo devagar por entre a ténue luz que ainda sobra no horizonte; bebo estes instantes de paz que passam por mim como um néctar; O ocaso ainda é uma fina faixa luminosa.

            Ao longe um grupo de idosos sentados conversam amenamente. Ao lado, um cão dormita aos pés do dono que segura uma bengala entre as mãos. Um casal idoso passa com a descontracção dos dias, com a juventude que fica dos dias passados. Curiosa semelhança com este fim de tarde e este fim de vida. A tranquilidade do dia e a calma do seu andar, com o pôr-do-sol ao fundo. O fim do dia e o fim de uma vida já gasta de canseiras.

             De mãos dadas, revivendo talvez outros tempos, também olham este pôr do Sol como eu, vivem-no como eu o vivo neste momento, com um romantismo idêntico ao meu, embora outras recordações, outras sensações, outro prazer que não o meu. Eu olho-o com esta sensação de o estar a observar.

             A vida, às vezes, passa tão depressa que por vezes nem damos conta dela. Ou então não queremos! Este fim de vida é como um repensar tudo o que se fez, uma análise retrospectiva, um acumular de experiências e ensinamentos que só agora se tem o sabor, o envelhecimento certo para a apreciar. A paz que nos chega diferente, mais saborosa e madura, a natureza que nos enlaça. A hora em que ficamos na expectativa de pôr um ponto final a uma vida.

             Que sentido poderá ter a vida depois de sermos massacrados, bombardeados e torturados com notícias de raptos, assaltos, violações, direitos humanos, poluição, guerras e mortes, um ciclo vicioso ininterrupto? Que pensarão as pessoas disto, da vida? E do fim? Como é tão desigual de pessoa para pessoa o sentido de tudo isto! Como é que há apatia para tudo?!

             Se a vida fosse romântica como este entardecer?! Se a vida soasse como um poema?! Se o olhar humano sorrisse como os olhos de uma criança?!

             É imperioso repensarmos a vida, de acalmarmos o stress de guerra, o stress do dia a dia, abdicarmos da mesquinha e vã cobiça e, em fez de correr para o nada, caminhar para coisa alguma; Sem esquecer a poesia da vida, caminhemos seguros de que assim chegaremos ao fim vitoriosos.

            Eu deixo-me embalar por este pôr-do-sol até ser um ponto luminoso no horizonte. Como serei eu no meu entardecer da vida? 



Concurso “Ambiente Comcurso 2002” da CML

O Foguetão português

 

        Estava tudo preparado para o grande evento. O governo e as altas individualidades tinham sido convidados. Era a primeira vez que o país enviava um foguetão para o espaço e isso era um grande acontecimento nacional. Todos os jornais, revistas, rádios e televisões de todo o mundo iriam cá estar para cobrir o acontecimento.

        O foguetão português, o primeiro foguetão que Portugal lançava para o espaço, seria lançado no Alentejo com o objetivo de dar duas voltas à Terra e atingir a lua. Os astronautas até levavam máquinas fotográficas para fotografar a Terra e a lua do espaço para mais tarde recordarem o grande dia.

        As expectativas eram grandes e o optimismo era geral. Na sala de controlo os técnicos estavam todos a postos para que nada falhasse. Verificavam-se os cabos, todas as ligações, os computadores, tudo era visto ao mínimo pormenor.

       Estavam todos nervosos por ser a primeira vez e ser um acontecimento nacional de grande importância. O país seria falado em todo o mundo e o prestígio da nação estaria em evidência, era uma grande honra para a nação. Portugal participava na corrida para o espaço.

       Começou a contagem decrescente. Ligaram-se os motores, os radares a postos, câmaras de apoio, computadores, tudo; nada podia falhar.

          - 5…4…3…2…1…Ignição…

       e o foguetão lá partiu para o espaço, levando a bordo os três astronautas Portugueses.

 

O Limoeiro

 

Num certo quintal, duma certa cidade de província, um certo senhor tinha um limoeiro.

O sujeito era de uma certa idade, já com netos e plantara a dita árvore para dar limões para ele fazer sumo para os seus netos, mas o limoeiro era muito teimoso e não queria crescer. Queria ser sempre criança, confessara ele ao seu dono. Este bem o tentou convencer de que a vida não era sempre assim, que se tinha que aprender, fazer coisas diferentes para nos sentirmos pessoas realizadas, mas nada disto o convenceu.

Dizia-lhe que ser criança era apenas uma fase da nossa vida que nos prepara para a adolescência e esta para a vida adulta.

O limoeiro continuou a teimar em ser sempre pequeno, como aquelas árvores que nunca crescem e se chamam Bonzai. O dono explicou-lhe que essas árvores eram anãs e nada tinha a ver com ele; insistia, mas ele nada de se convencer. Então falou-lhe nos netos que precisavam dos seus frutos para poderem crescer fortes e saudáveis, da sua utilidade como árvore e ele nada.

Irritado, pegou num pau e deu uma valente sova no limoeiro que o limoeiro aprendeu a lição. E cresceu, forte e saudável, dando limões grandes e sumarentos com que os netos se regalavam com o sumo.

O teimoso limoeiro reconheceu que estava errado e que era preciso aprender que todos nós passamos por fases diferentes na nossa vida e precisamos de ser úteis uns aos outros; e assim viveu feliz por muitos anos.

sábado, 3 de agosto de 2024

Um só momento

 

                 1

                                                        A música soa na sala

Como uma aragem breve

                 2

Invade-me uma satisfação

Por mim dentro

                 3

O cigarro

Deita um fumo distraído

                 4

O álcool

Esquecido na mesa

                  5

Um só momento de prazer

Paisagem Mórbida

 

1
Não encontro
Num só instante
Qualquer beleza
Que alegre o meu olhar

2
Todo o horizonte
Me desola a alma

3
A paisagem mórbida
Empalidece-me os sentidos

4
As casas velhas
Mortas na pobreza dos dias
Deixam a minha alma ferida

5
Mas não consigo parar de olhar

Espaço Aberto


1
A tarde
Na tranquilidade calma

2
O espaço em redor
É um horizonte infinito

3
As nuvens matizam o azul
Sobre nós

4
Três aves
Voando no silêncio da tarde
Quebram o estático natural

5
Abarco toda a natureza
Num contemplativo olhar

6
As minhas asas abertas

7
Por instantes
O mundo a meus pés