domingo, 4 de agosto de 2024

Fim de Tarde

 

            A tarde caía calmamente com um sabor de Outono. As folhas, matizando o chão com cores suaves, despediam-se de um verão que terminava.

       A tonalidade da tarde deixava no ar uma atmosfera romântica que não há poeta ou pintor que não a queira retratar; Uma ode, um cantar lírico, um quadro como homenagem a este entardecer.

            Fico a sorver este final de tarde como uma melodia de Chopim. Procuro inspiração para um poema. A beleza da natureza deixa em mim uma energia renascida, como uma canção de embalar.

            Entardece; ainda há pessoas no jardim, ainda há pessoas que passam com os segundos contados. Cruzam-se, tropeçam esquecendo o dia que passa, ou o Outono que chega e não reparam na poesia da vida, a sensibilidade das coisas. O frenesim das pessoas, o movimento, tudo me parece interminável.

            Hoje descobri que a vida é um tesouro; algo importante demais para ser deitado fora. Tão importante, que me apetece remediar erros antigos, pecados supérfluos, endireitar veredas, até sentir que tudo está perfeito; mas reparo que o dia cai e a minha idade com ele.

            Então sigo devagar por entre a ténue luz que ainda sobra no horizonte; bebo estes instantes de paz que passam por mim como um néctar; O ocaso ainda é uma fina faixa luminosa.

            Ao longe um grupo de idosos sentados conversam amenamente. Ao lado, um cão dormita aos pés do dono que segura uma bengala entre as mãos. Um casal idoso passa com a descontracção dos dias, com a juventude que fica dos dias passados. Curiosa semelhança com este fim de tarde e este fim de vida. A tranquilidade do dia e a calma do seu andar, com o pôr-do-sol ao fundo. O fim do dia e o fim de uma vida já gasta de canseiras.

             De mãos dadas, revivendo talvez outros tempos, também olham este pôr do Sol como eu, vivem-no como eu o vivo neste momento, com um romantismo idêntico ao meu, embora outras recordações, outras sensações, outro prazer que não o meu. Eu olho-o com esta sensação de o estar a observar.

             A vida, às vezes, passa tão depressa que por vezes nem damos conta dela. Ou então não queremos! Este fim de vida é como um repensar tudo o que se fez, uma análise retrospectiva, um acumular de experiências e ensinamentos que só agora se tem o sabor, o envelhecimento certo para a apreciar. A paz que nos chega diferente, mais saborosa e madura, a natureza que nos enlaça. A hora em que ficamos na expectativa de pôr um ponto final a uma vida.

             Que sentido poderá ter a vida depois de sermos massacrados, bombardeados e torturados com notícias de raptos, assaltos, violações, direitos humanos, poluição, guerras e mortes, um ciclo vicioso ininterrupto? Que pensarão as pessoas disto, da vida? E do fim? Como é tão desigual de pessoa para pessoa o sentido de tudo isto! Como é que há apatia para tudo?!

             Se a vida fosse romântica como este entardecer?! Se a vida soasse como um poema?! Se o olhar humano sorrisse como os olhos de uma criança?!

             É imperioso repensarmos a vida, de acalmarmos o stress de guerra, o stress do dia a dia, abdicarmos da mesquinha e vã cobiça e, em fez de correr para o nada, caminhar para coisa alguma; Sem esquecer a poesia da vida, caminhemos seguros de que assim chegaremos ao fim vitoriosos.

            Eu deixo-me embalar por este pôr-do-sol até ser um ponto luminoso no horizonte. Como serei eu no meu entardecer da vida? 



Concurso “Ambiente Comcurso 2002” da CML

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